domingo, 12 de agosto de 2012



 GLOSSÁRIO: HISTÓRIA DO IMPRESSIONISMO EUROPEU. BIOGRAFIA: COURBET, Gustave; Jean-Desiré-Gustave Courbet (1819-1877).

O artista nasceu em Ornans (França) no seio de uma família muito abastada, proprietária de terras. Courbet foi, ao mesmo tempo,  pintor, camponês e caçador. O artista estudou no seminário de sua cidade natal e no Colégio de Besançon; depois, Courbet foi estudar Direito em Paris (1841).
         
O jovem logo ficou atraído pela arte e passou a estudar pintura como copista dos grandes mestres com obras no Museu do Louvre, especialmente os pintores holandeses e espanhóis. Courbet viajou pela Holanda, onde admirou as obras de Rembrandt, Van Ostande e Hans Holbein. O artista logo passou a submeter seus quadros ao júri do Salão Nacional de Belas Artes, a princípio seguindo os ditames usuais da Academia de Belas Artes pintando temas bíblicos como Lot e suas filhas (1844). Esse quadro foi recusado pelo exigente júri que dominava de forma ditatorial com sua estética acadêmica o certame de arte. Nesse mesmo ano o júri aceitou de Courbet seu Autoretrato com cachorro negro (1844); e, mais tarde, outro quadro  com temática romântica: Noites das Valquírias [Walpurgisnight] (1848).

Courbet foi descrito por Charles Baudelaire como grande trabalhador, bem como pintor dotado de vontade poderosa e muita paciência, que pintou suas obras diretamente na natureza saindo da pesada atmosfera das academias de arte. O pintor deu o curso de alguns meses na rua Notre-Dame-des-Champs, onde ele pintou como modelos vivos, coruja e ponei. Courbet prometeu a si mesmo nunca desviar-se do caminho escolhido e de seus princípios, nunca pintar de forma comercial para vender mais facilmente ou para agradar a alguém. O artista apoiou outros artistas mais jovens do Grupo dos Impressionistas, como Paul Cézanne, Claude Monet e Pierre Auguste Renoir. Sobre o artista, Monet declarou que Courbet havia sido sempre muito encorajador e bom para ele, a ponto de emprestar-lhe dinheiro nos momentos mais difíceis, declaração que se encontra publicada (CLAY, 1973).

O Grupo (Francês) dos Realistas ao qual Courbet pertenceu, reunia-se no café da rua dos Mártires [rue des Martyrs], atrás da Igreja Notre-Dame-de-Lorette. A partir dessa época os cafés marcaram presença como locais de reunião e de discussão sobre as artes plásticas, local de confraternização das vanguardas francesas como o célebre Café Guerbois, escritório informal de Édouard Manet (Paris, 1868-1870).

A abertura política propiciada pelo lançamento do Manifesto Comunista (1848), levou a população francesa à inssureição revolucionária e à declaração da Segunda República, que elegeu e levou ao poder Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho do Imperador Napoleão Bonaparte, que se tornou primeiro mandatário do país. A época propiciou abertura libertária nas artes e, durante três anos, os salões suprimiram o júri que depois foi re-estabelecido. Nessa segunda fase os novos jurados foram escolhidos de forma democrática, como membros eleitos diretamente pela comunidade artística; essa brecha foi temporária no rígido sistema da arte até então existente, porém permitiu que obras dos pintores vanguardistas da época como Rosa Bonheur (1822-1899), Jean-Baptiste Camille Corot (1819-1877), Gustave Courbet e Théodore Rousseau (1812-1867) fossem adquiridas para o acervo do Museu de Luxemburgo.

No Salão de Belas Artes promovido depois da implantação das novas regras, a pintura de Courbet, Depois do Jantar em Ornans (1848), foi premiada com Medalha de Ouro (1849), o único prêmio que o artista recebeu em vida. Nos anos subsequentes Courbet pintou o imenso quadro O Estúdio do Pintor: uma alegoria real que consumiu sete anos de minha vida (1854 - 1855, óleo/ tela,  360,7 cm x 599 cm, no acervo do Museu d'Orsay), obra que se encontra reproduzida (BONFANTE-WARREN, 2000). Courbet submeteu esse quadro ao júri do Salão de Belas Artes, pois desejava participar com o mesmo da Exposição Universal (1855). O quadro foi recusado, e Courbet organizou, debaixo de muitas críticas, o dito, Pavilhão do Realismo, estande no qual apresentou do lado de fora da mostra vários de seus quadros recusados nos sucessivos salões de arte. Como apresentação de suas obras Courbet escreveu seu famoso texto Arte Viva [Art Vivant]. Um grupo de artistas italianos, liderados por Serafino de Tivoli, da dita, Escola de Paisagem [Scuola di Paisaggio ou Scuola de Staggia], em Staggia, na Província de Siena, Itália,  visitou o pavilhão de Courbet, que, desse modo influenciou a pintura dos estrangeiros do Grupo (Italiano) dos Impressionistas (v.).  

Depois deste evento Courbet ficou conhecido como o principal artista do dito, Realismo (Francês) ou da Escola Realista. Foram justamente o Naturalismo e o Realismo a reação dos artistas mais avançados franceses contra a escritura fria dos acadêmicos bem como a luta contra o espessamento do elaborado romantismo, de origem italiana, que perpassava as pinturas de paisagens com falsas ruínas de monumentos antigos e pavilhões no estilo neo-clássico. Declarou o professor da Escola do Museu do Louvre, REINACH (1907), que Courbet e Édouard Manet foram os principais expoentes deste movimento reacionário.

A pintura de Courbet, Veados no riacho de Plaisir-Fontaine, Doubs (1866, óleo/ tela, 174 cm x 209 cm), quer provar tal afirmação: o quadro mostra com naturalidade em ricos meios tons de verde, que Courbet banhou com luz misteriosa e romântica, nesta obra que se opõe à todos os estilos anteriormente praticados pelo artista e enfatiza, com precisão, a maestria natural de um verdadeiro gênio da pintura. Outra paisagem, desta vez a marinha O penhasco em Étretat depois da tempestade (1869, óleo/ tela, 133 cm x 162 cm), recebeu do pintor tratamento límpido, luminoso, mostrando as rochas, o céu nublado e o mar calmo. Ambas as obras citadas pertencem ao acervo do Museu d'Orsay e se encontram reproduzidas (BONFANTE-WARREN, 2000).     

Courbet pintou muitos retratos, inclusive o do seu dileto amigo, o escritor Charles Baudelaire, que reproduziu no fundo, do lado direito, seu famoso quadro O Estúdio do Pintor (1854-1855). O artista pintou o retrato do filósofo radical anarquista Pierre-Joseph Proudhon, juntamente com sua família (1865). No mesmo ano Courbet apresentou este quadro no Salão de Belas Artes; Courbet não ficou nem um pouco satisfeito com a pintura e destacou a figura da melancólica face da esposa de Proudhon, que ele pintou no retrato vivo, como Madame Proudhon (1865, óleo/ tela, 73 cm x 59 cm, no acervo do Museu d'Orsay), obras que também se encontram reproduzidas (BONFANTE-WARREN 2000). Doze anos depois, Courbet pintou a bela Paisagem marinha (1874, óleo/ tela, 57,30 cm x 68,70 cm), que se encontra reproduzida (CLAY, 1973), que apresenta Courbet como precurssor do Impressionismo.

Como a maioria dos artistas avançados em relação à sua época, Courbet aderiu à dita, Comuna de Paris; os acontecimentos dramáticos e os encadeamentos políticos que se seguiram a este momento histórico, foram agravados pelo fato de que foi justamente Courbet quem derrubou a Coluna Vendôme, monumento que homenageava o Imperador Napoleão Bonaparte. Para não morrer, o artista foi obrigado a fugir e a se exilar. Courbet escolheu viver seu exílio na localidade de La-Tour-de-Peilz (Suíça), onde, poucos anos depois, faleceu (1877).

Courbet pintou inúmeros nus como A Primavera (1868, óleo/ tela, 128 cm x 97 cm, no acervo do Museu d'Orsay), que se encontra reproduzido (BONFANTE-WARREN, 2000). No século XX uma pintura de nu de autoria de Courbet, tornou-se a mais conhecida entre todos os nus: A Origem do Mundo [L'Origine du Monde] (1866, óleo/ tela, 46 cm x 55 cm). Courbet retratou partes do corpo de uma mulher nua, da qual não aparecem as pernas, nem os braços e nem o rosto. A pintura é uma obra-prima de composição, pois Courbet pintou somente as partes íntimas de um corpo feminino, no ângulo entrevisto pelas pernas abertas da jovem mulher, mostrando na totalidade o sexo e parte do torso, a parte debaixo dos seios da jovem, deitada, vista por ângulo inferior. Essa pintura foi realizada por encomenda de diplomata turco Kalil Bey, que, na época, vivia em Paris. Durante c. cinco décadas a pintura desapareceu por completo, mas, em meados da década de 1950 reapareceu na residência de Jacques Lacan, o mais famoso psicanalista francês; sua esposa, incomodada com a exposição do sexo explícito da obra pendurada na sua parede, pediu a André Masson, paciente de Lacan, que pintasse algo que cobrisse a genitália exposta. Masson executou o pedido, mas de forma muito inteligente ele utilizou um tipo de tinta que não danificou a pintura de Courbet, posteriormente comprada e restaurada pela Reunião dos Museus Nacionais (Paris).  O quadro reapareceu, em todo o seu esplendor original quando participou da mostra O Sexo da arte, feminimasculino [Le Sexe de L'Art, Feminimasculin], no MNAM - Centro Georges Pompidou (Paris, 24 out., 1995 - 12 fev., 1996). O quadro se encontra reproduzido no catálogo da citada mostra.

Depois da morte de Courbet seu acervo pessoal foi leiloado (1892): o diretor A. Proust adquiriu muitas de suas obras para os museus franceses. Devido a seu quadro A Origem do Mundo, pela autenticidade de seu Realismo, Gustave Courbet deve ser considerado como um mestre inconteste das vanguardas artísticas Realistas e Veristas nos séculos XIX e XX.

Vincent van Gogh comentou Courbet nas suas cartas para Théo, citando:

[...] Um retrato de Courbet tem mais valor, é enérgico, livre, pintado com toda a espécie de belos tons profundos de castanho-vermelho, dourados, violetas mais frios na sombra tendo preto como contraste, com um pedaço de pano tingido de branco para repousar a vista, é mais belo que um retrato de quem quer que seja que tenha imitado a cor do rosto com horrível exatidão. (carta 429, 1884).
         
REFERÊNCIAS SELECIONADAS:
    
BONFANTE-WARREN, A. The Musée D'Orsay. New York: Barnes and Noble, 2000, pp. 49-50, 52-53, 76, 80, 88, 98, 199.

CARR-GOMM, S. Manet. Tradução de Antonio M. G. de Campos. Lisboa: Círculo de Leitores, Editorial Estampa, 1992. 143p.: il., p. 65.

CLAY, J. Compreendre l' Impressionisme. Paris: Chêne, 1984, pp. 312, 313.

CLAY, J.; HUYGUE, René (Pref.). Impressionism. Seacaucus, New Jersey: Chartwell Books Inc., 1973, pp. 46-47.   

CATÁLOGO. Le Sexe de L'Art, Feminimasculin. Paris: MNAM - Centre Georges Pompidou, 1995, p. 65.

GIBSON, M. Odilon Redon, 1840-1916: le Prince des Rêves. Köln: Taschen, 1995. 96p. il., p. 234.

LUZ, H. da. O realismo faz cem anos. Rio de Janeiro: Arte Hoje, Ano 1, n. 06, dez., 1977.

VAN GOGH, V. Cartas a Théo. Nova edição ampliada, anotada e ilustada. Porto Alegre: L & PM Pocket, vol. 21, julho 2003, p. 175   

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