terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

QUARTA PARTE REFORMULADA DA HISTÓRIA DOS BALÉS RUSSOS [BALLETS RUSSES], DA CIA. TEATRAL SERGEI PAVLOVICH DIAGHILEV (Paris, 1909-1929).

Quando os Ballets Russes de Sergei Diaghilev começaram a se apresentar em Paris (1907-1929), formaram a seu redor o círculo de artistas plásticos, músicos, escritores, na sua maioria intelectuais gays, como o próprio S. Diaghilev. Jean Cocteau, Marcel Proust e seu amigo, o músico Reynaldo Hahn, entre outros. O quartel general do grupo se formou nos luxuosos salões de Misia Sert (v.), então casada com o rico editor Thadée Natanson, da Révue Blanche. Proust pôde apreciar a estréia de vários balés, como a de Shéhérezade (Paris, 4 junho, 1910); o escritor, presente com R. Hahn e o crítico de arte Louis Vaudoyer, comentou nunca ter visto na vida nada tão belo (SHEAD, 1989: 32). Em seguida Vaudoyer escreveu a Léon Bakst, um dos primeiros cenógrafos dos Ballets Russes, sobre sua idéia de um balé baseado nas linhas do poema O Espectro da Rosa [Le Spectre de la Rose], de autoria do editor Simbolista e escritor Théophile Gautier, muito conhecido por seu romance A Dama das  Camélias.
 
Vários líderes desse poderoso grupo de intelectuais gays parisienses, como o escritor Marcel Proust e seus amigos Lucien Daudet, Jean Cocteau e Reynaldo Hahn, estiveram presentes na récita de estréia dos Balés Russos. Cocteau foi um dos principais líderes do grupo e foi ele quem criou o cartaz, baseado na figura da bailarina Tamara Kasarvina, que anunciava a primeira récita do balé O espectro da Rosa [Le Spectre de la Rose]. O trabalho começou quando Roberto Montenegro foi escolhido para criar o libreto, baseado no poema de Théophile Gauthier:



Eu sou o espectro de uma rosa/ Que você levou ontem ao baile.


Montenegro desenvolveu a história da bela jovem que voltou de seu primeiro baile, e, recostada na poltrona de seu quarto sonhou que o fantasma da rosa que usou na noite anterior visitou-a. Michel Fokine foi o coreógrafo e Léon Bakst criou os figurinos românticos que vestiram Vaslav Nijinsky. O bailarino usou túnica curta, com muitas pétalas de rosa aplicadas, sobre colante justo de malha clara, que marcavam suas pernas. Nos cenários românticos o bailarino contracenou com a jovem bailarina russa Tamara Kasarvina, que se transformou, mais tarde, na maior estrela da companhia russa radicada em Paris. A bailarina dançou com portentoso vestido de cor clara, com saia armada muito ampla longa e rodada, corpete justo mas com mangas bufantes, levando duas grandes rosas, uma no arremate do decote do vestido e outra na mão. E Nijinsky, aos 23 anos de idade, no auge da beleza de sua arte, formou com Kasarvina par excepcional. Mais tarde, o bailarino melhorou a coreografia do iniciante Michel Fokine, que se tornou posteriormente destacado coreógrafo internacional.

O balé O Espectro da Rosa [Le Spectre de la Rose] foi musicado por Berlioz, que adaptou a música Convite à valsa, de F. Weber, nesse balé com libreto de Roberto Montenegro, coreografia de Michel Fokine, cenografia e figurinos de Léon Bakst, apresentado nessa temporada pelos Ballets Russes. A idéia de Vaudoyer foi recompensada com o convite para assistir o ensaio final do balé, realizado em Monte Carlo, onde estreou (abril, 1911). Os bailarinos, Vaslav Nijinski e Tamara Kasarvina  dançaram os papéis principais desse que foi grande sucesso dos Balés Russos, que se apresentou em Roma e Paris antes de Londres, onde participou das festividades da Coroação de George V (1911). O clima atmosférico de O espectro da Rosa [Le Spectre de la Rose] tornou-o uma das mais românticas e bem sucedidas produções de Sergei Diaghilev e atingiu sucesso bem maior que o esperado. O balé permaneceu no repertório da companhia e foi apresentado em outras temporadas (1914-).
        
O amigo de Proust, Reynaldo Hahn, estava escrevendo o libreto para O Deus Azul [Le Dieu Bleu], balé encomendado por Diaghilev voltado para destacar o talento de V. Nijinsky, adolescente que ele tinha tirado da Rússia aos dezesseis anos de idade para integrar sua companhia parisiense (1909). Nijinsky estreou em Narciso [Narcisse]  obra colaborativa de L. Bakst, M. Fokine e o compositor russo Nicholas Tchrepnin, que estreou em Paris (maio) e foi apresentado depois em Londres (set.). Kasarvina dançou o Eco, quando eclipsou a dança de Nijinski nas performances londrinas; ela foi adorada pelos ingleses e se tornou a grande estrela da companhia na Inglaterra.

Outro balé foi Pétrouchka, com música de I. Stravinski, que estava sendo coreografado e preparado por Fokine para a estréia parisiense, que também reapresentou os balés Carnaval, com música de Schumann; O Espectro da Rosa, além da estréia de trecho da mais russas das óperas, Sadko,  com música de Nikolai Rimski-Korsakov, com coreografia de Fokine e cenários e figurinos de Bóris Anisfeld. O grande sucesso dessa temporada parisiense foi Pétrouchka, balé ambientado por Bakst em São Petersburgo (1870), com a música surpreendente de I. Stravinsky e a orquestra sendo conduzida pelo maestro Pierre Monteux logo no início de sua brilhante carreira. Nijinsky foi muito aplaudido no papel de Pétruschka, que morreu assassinado pelo cruel mouro (Aleksandr Orlov), depois de se apaixonar perdidamente pela Ballerina (Tamara Kasarvina), delicada como boneca de porcelana. A récita inaugural parisiense atrasou, pois Diaghilev precisou pedir emprestado à Misia Sert os quatro mil fancos cobrados pelos figurinos; essa foi uma das inúmeras crises da companhia. O balé foi levado ao palco londrino do Teatro Covent Garden, onde repetiu o sucesso da estréia parisiense (21 junho), com o programa da coroação realizado pouco depois (26 junho, 1911).   
         
Na temporada do próximo ano estrearam quatro novos balés, sendo todas as premières realizadas em Paris: O Deus Azul (Reynaldo Hahn), Daphnis e Chloé (Maurice Ravel), Thamar (Mili Balakirev, do Grupo dos Cinco músicos russos) e o Prélude à l' aprés midi d' un faune (Debussy).

O balé O Deus Azul, com libreto de Jean Cocteau, cenários e figurinos luxuosos de L. Bakst, foi ambientado na India. O papel principal coube a Nijinski (Krisna, o Deus Azul), par de Tamara Kasarvina (a Noiva). A música de Hahn foi incapaz de refletir o ambiente indiano e a coreografia do iniciante Fokine também não foi das melhores, salvo a da dança solo da estrela Nijinski cuja pele foi pintada de azul. O bailarino usou traje branco, azul e amarelo canário dos maravilhosos costumes de Bakst para esse espetáculo que alcançou sucesso moderado, nada comparável ao esplendoroso frisson causado por Shéhérezade, quando estreou (Paris, 13 de maio, 1912). Foi somente no ano seguinte que Marcel Proust (1871-1922) publicou seu romance mais conhecido, Em busca do tempo perdido [À la Recherche du Temps Perdu], quando ele comentou a invasão dos Balés Russos no seio da sociedade parisiense, que criaram profunda revolução de costumes nessa mesma sociedade ávida por conhecer suas principais estrelas, os escritores, músicos, bailarinos, cenógrafos e figurinistas, de várias nacionalidades, contratados por Diaghilev para criarem  seus espetáculos revolucionários.


Vaslav Nijinski se transformou do dia para a noite na grande estrela da temporada européia da companhia e conquistou todas as platéias por onde ele dançou. Várias fotografias do balé O Espectro da Rosa [Le Spectre de la Rose], sendo uma do desenho de figurinos de Bakst, outra de Nijinski na dança solo e outra dele com Tamara Kasarvina, no Pas de Deux, bem como a fotografia do cartaz de Jean Cocteau para a produção, se encontram reproduzidas (SHEAD, 1989: 40-42).

Nenhum comentário:

Postar um comentário