sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Dr. Freud e as Vanguardas Francesas.

Dr. Freud e as Vanguardas Francesas. Sigmund Freud (1856-1939) nasceu em Viena, Áustria; no final de sua vida emigrou para a Inglaterra, onde faleceu. As pesquisas pioneiras de Freud levaram-no a ser considerado o pai da psicanálise. O médico e analista Dr. S. Freud tornou-se uma das figuras mais importantes do século XX, influente na vida contemporânea, mesmo mais de um século depois de sua primeira publicação (1899). Através de André Breton (1896-1966), mentor do Surrealismo (Paris, 1924-1966), os intelectuais e artistas do grupo foram dos primeiros europeus a despertarem para o conhecimento da obra de Freud na França. Os intelectuais citaram Freud nas inúmeras revistas publicadas pelo grupo e despertaram para as mesmas o interesse geral dos intelectuais da época. Na Europa, proliferavam as teorias mais absurdas e canhestras sobre o universo da saúde mental; as teorias do Dr. Freud foram recebidas com muitas reservas e rejeicão por parte da comunidade científica internacional. Antes da primeira obra de Freud aparecer traduzida e publicada em Paris (Félix Alcan, 1926, na BN - Biblioteca Nacional), sua obra era conhecida por André Breton, que deparou-se com a mesma por circunstâncias do acaso. Breton estagiou como enfermeiro do exército no Instituto de Psicologia, em Nantes, sob a tutela do Dr. Raul Leroy, que foi anteriormente assistente do professor Dr. Jean-Martin Charcot (1888-1957), que por sua vez foi professor do Dr. S. Freud no Hospital de La Salpetrière (Paris, 1884-1885). O Dr. Charcot publicou suas Conferências sobre as Doenças do Sistema Nervoso, cuja tradução (francês-alemão) foi feita por S. Freud e publicada em Viena (1886). Nessa cidade Freud continuou as pesquisas que iniciou com Charcot em Paris: sua primeira publicação foi A Interpretação dos Sonhos, que completou o centenário de publicação (4 de nov., 1899). O livro foi publicado inicialmente datado de 1900; essa obra foi homenageada com edição comemorativa em português (Imago, Rio de Janeiro) e seu sumário foi publicado pela primeira vez no idioma francês traduzido pelo Dr. Maeder (1906). Breton, que conhecia os escritos de Freud e tinha problemas pessoais para resolver, foi procurar o Dr. Freud em Viena (1921). Do ponto de vista do intelectual francês, a sua entrevista com o célebre médico foi frustrante: Breton publicou-a em uma de suas primeiras revistas. Breton buscava soluções imediatas para problemas humanos complexos e Freud não podia fornecer-lhe respostas rápidas as questões mais profundas dele, sobre sua sexualidade. Depois deste episódio Breton pouco citou Freud nas suas publicações, mas divulgou as pesquisas do Dr. Charcot no artigo comemorativo do cinquentenário da descoberta da histeria, publicando fotos dos arquivos do médico francês em uma de suas revistas. Breton amava e idolatrava as mulheres: casou-se com algumas e de um desses relacionamentos nasceu sua filha Elisa; mas desejou e relacionou-se com homens, como seu amigo que suicidou-se jovem, Jacques Vaché (1896-1919). O escritor e militar francês nasceu em Lorient (Morbihan) e suicidou-se em Nantes. Vaché foi aluno do pintor acadêmico Luc Olivier Merson (1846-1920). O militar conheceu André Breton no hospital do exército de Nantes, com ele relacionou-se e sobre quem exerceu grande influência devido ao seu humor ferino e cortante. Depois do suicídio de Vaché a correspondência trocada com Breton foi publicada. O artista deixou alguns desenhos de traço agudo e irônico, que também representaram certa influência sobre o grupo dos artistas plásticos Surrealistas. A fotografia de Vaché em uniforme militar, mostra belo rapaz, magro e elegante, e se encontra reproduzida no catálogo da mostra retrospectiva de André Breton, realizada no MNAM (Paris, 1991). As obras de Freud levaram mais de 20 anos para chegarem traduzidas à França; mas Max Ernst (1891-1976), como Breton, também conhecia vários dos seus livros, que leu em alemão quando estudou Psicologia Criminal na Universidade de Bonn. Ernst foi erudito e trouxe subsídios culturais e teóricos às reuniões que Breton promoveu, antes de tornar-se surrealista e um dos mais influentes artistas europeus no século XX. As teorias de Freud levaram todo o grupo de futuros surrealistas, na época (c. 1921-1922) a empreenderem a série de experiências que ficaram conhecidas na arte como o Período do Sono. Nas reuniões conjuntas os artistas produziram obras, principalmente desenhos, sob efeito de hipnose, e no período, dito, de meio sono. Deste grupo anterior a eclosão do movimento do Surrealismo (1922-1924) participaram Louis Aragon (1897-1982), André Breton, Paul Éluard (1895-1952), Théodore Fraenkel ( André Masson (1896-1987) e Phillipe Soulpaut (1897-1989). Durante a Primeira Guerra Mundial, tanto Aragon como Fraenkel estiveram no exército francês, servindo junto com Breton: várias fotografias dos futuros escritores juntos, vestidos em uniforme militar encontram-se publicadas (BEAUMELLE, 1991). Depois que os futuros Surrealistas deram baixa do exército, Soupault e Breton produziram o livro Os Campos Magnéticos (Les Champs Magnetiques, 1922), produto do Automatismo Psíquico, que Breton passou a publicar em capítulos na primeira revista editada por ele, Literature [Literatura] (Paris, 1919-1924). Os capítulos foram reunidos no livro homônimo, publicado posteriormente (1922). O grupo pioneiro de Breton que empreendeu as experiências com hipnose, foi obrigado a interromper essa atividade por ter obtido muitos efeitos indesejados em alguns membros do grupo, o que levou-os a abandonarem esta, entre outras práticas experimentais. Um dos artistas mais afetados foi André Masson (1896-1987), artista que leu as obras teóricas de Sigismund Freud e tornou-se posteriormente paciente do conhecido psicanalista francês Jacques Lacan . Breton continuou associado à vertente do Automatismo, pois escreveu e publicou nas suas revistas o artigo Poetas de Sete Anos [Poètes de Sept Ans], sobre crianças que, nesta idade precoce, escreveram poesias adultas e complexas. Breton divulgou outros escritores que produziram obras completas enquanto no estado de alteração da consciência do Automatismo, como a jovem Gisele Prassinos (1920- Depois que terminou o Período do Sono no seu grupo, Breton desinteressou-se de Freud, que não foi mais citado, mas Charcot continuou sendo citado por Breton nas revistas editadas por ele (1924-1928). Nas primeiras décadas do século XX as obras e teorias de Freud chegaram ao grande público francês por esta via transversa da literatura e da arte, como uma das primeiras aberturas no sistema fechado do pensamento europeu. O artista espanhol Surrealista Salvador Dali (1904-1989), também visitou Freud (1938): ele desenhou o retrato de Freud, que mereceu do médico a observação: ...esse espanhol... Freud foi homenageado com outro retrato pelo notável artista uruguaio Ernesto Arostegui, que teceu na técnica de gobelin o moderno Retrato Duplo de Sigismund Freud com Câncer no Maxilar Inferior Esquerdo (1980, gobelin de alto liço com fios plásticos e sintéticos sobre urdume de algodão, com desenho a crayon sobre papel), obra que participou da representação uruguaia enviada à Bienal de Veneza (1986). Freud foi também homenageado com seu retrato na técnica serigráfica, pertencente à série Personalidades Judaicas Célebres do Século XX, de autoria de Andy Warhol (Andrew Warhola, 1928-1987), que desta forma homenageou vários intelectuais e cientistas através de seu álbum com 10 serigrafias, sendo uma delas Freud (1987). A mostra As Antiguidades de Freud, trouxe ao Rio de Janeiro parte da coleção amealhada pelo professor, que chegou à ter c. 2000 peças e que o Museu Nacional de Belas Artes exibiu (Rio de Janeiro, 05 agosto - 18 setembro, 1994). Quando Freud fugiu dos nazistas escapando para Londres, conseguiu levar sua coleção, com peças raras e muito antigas, oriundas da Mesopotâmia, Egito, Grécia, Itália, China e Japão, Peru, Nova Guiné e México. Um catálogo ilustrado foi publicado por ocasião da exposição, que mostrou a rara reunião de amuletos eróticos, votivos, nas formas de pênis com e sem escroto, em diferentes materiais como faiança, bronze e marfim, raras jóias eróticas datadas entre 3392 e 4686. Freud foi o pai do termo Penisleid, conhecido como Inveja do Pênis e conhecia perfeitamente o simbolismo do fálico no mundo arcaico romano, egípcio e mesmo japonês, de onde provêm a maioria das peças. As fotos destas peças encontram-se no catálogo da mostra, vinda do Museu Freud, em Londres. O catálogo cita ainda menções de Freud na carta datada (4 de abril, 1898), quando referiu-se à asas que terminam em pênis, formas de alguns dos amuletos e descreveu as estátuas de Priapo, no Museu Arqueológico de Aquiléa. Várias correntes da moderna medicina refutaram as descobertas do Dr Freud e da psicanálise; a maioria dos seus críticos mais ferrenhos encontra-se nos Estados Unidos. O conceito da Anti-Psiquiatria iniciou-se com os Drs. Ronald Laing e David Cooper (1931-1986) que assinaram o Tratado de Psiquiatria e Anti-Psiquiatria (1967); outro dos ferrenhos opositores é o Dr. Adolf Grunbaum, professor de psiquiatria e chefe do Departamento de Filosofia da Universidade de Pittsburg, autor de Fundamentos da Psicanálise: uma Crítica Filosófica [The Foundations of Psychoanalysis: A Philosophical Critique]. O autor citado abordou o tema em outro livro de sua autoria, Validação na Teoria Clínica da Psicanálise [Validation in the clinical Theory of Psychoanalysis]. O maior questionamento europeu das teorias de Freud surgiu com os filósofos franceses Giles Deleuze, Michel Foulcault e Félix Guattarri, através de sua publicação O Anti-Édipo. Outras correntes pregaram que o caminho promissor para o estudo da mente humana seria o concurso da neurociência com várias especialidades reunidas, trabalhando e pesquisando em conjunto, médicos, psicanalistas e neurologistas. No Brasil repetimos o dito popular, Freud Explica... Vale ler o livro de GAY (1990), detalhada biografia que explica parcialmente o inexplicável Dr. Sigmund Freud. REFERÊNCIAS SELECIONADAS: CATÁLOGO. BEAUMELLE, A. de la; MONOD-FONTAINE, I.; SCHWEISGUTH, C. André Breton: La Beauté Convulsive. Paris: Musée National d'Art Moderne, Centre Georges Pompidou, 1991, pp 187, 244. CATÁLOGO. ZUSMAN, W.; GAY, P. (Introd.). Sigmund Freud e Arqueologia: sua coleção de Antiguidades. Rio de Janeiro: Salamandra e Museu Freud, Londres, 1994, pp. 98-99. BÉHAR, H. André Breton, le grand indésirable. Paris: Calmann-Levy, C. N. de Lettres, 1990. [16] p. de lam.: retrs., p. 187. CATÁLOGO RAISONÉE. FELDMANN, F.; SCHELLMANN, J. Andy Warhol's Prints. New York: Ronald Feldmann Fine Arts, Shellman Verlag, Abeville Press., p. 100. GAY, P. Freud – Uma Vida para Nosso Tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. LÉVÊQUE, J-J. Le triomphe de l'art moderne: les Anées Folles. Paris: A. C. R. Éd. Internationalles, 1992. 624p.: il., retrs., p. 20. MONTREYNOUD, F.; BADINTER, E. (Pref.); HELFFER, C (Cinéma); KLYMAN, L.; PERROT-LANAUD, M.; AUDÉ, F. Le XXe Siécle des Femmes. Paris: Nathan, 1995, p. 287. PIERRE, J. El futurismo y el dadaísmo. Madrid: Aguilar, 1968, p. 155. PIERRE, J. L'Univers Surréaliste. Paris: Éditions d'Art Aimery Somogy, 1983, pp. 202, 304-305. SEUPHOR, M.: RAGON, M.: PLEYNET, M. L'Art Abstrait. Paris: Maeght, 1949. 1971-1988, 05 v.: il., pp. 46-47.

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