terça-feira, 8 de maio de 2012

BIOGRAFIA: ROUAULT, Georges (1871-1958).

Este artista, nascido em um porão, durante a sangrenta Semana da Comuna, quando a guerra civil invadiu a cidade de Paris, bombardeada pelos ditos, versaillais; ocasião em que foram fuzilados trinta mil parisienses. O pai do artista tinha origem bretã e a mãe era parisiense, mas foi o avô materno de Rouault quem despertou o artista no neto; ele foi admirador dos melhores artistas de seu tempo, especialmente dos gravadores como Honoré Daumier, cujas gravuras colecionava, e admirava Gustave Courbet e Édouard Manet, incluídos entre os melhores pintores de sua época.


Rouault foi aprendiz de pintor na técnica de decoração de vidros e restauração de vitrais (1885-). O futuro artista frequentou o curso noturno na Escola de Artes Decorativas (Paris) e foi admitido no ateliê de Elie Delaunay, na Escola Nacional Superior de Belas Artes (Paris, 1891). Quando Delaunay faleceu, o pintor que substituiu-o como docente foi Gustave Moureau, de quem Rouault logo se tornou o aluno preferido. Vários de seus colegas de academia se transformaram em renomados artistas como Henri Matisse, Albert Marquet, Henri Manguin e Charles Camoin, entre outros.

Roualt tornou-se o que poderíamos chamar de pintor social, fiel as suas origens, que evidenciou o peso da arte de cunho primitives: ele pintou o povo. O artista certa vez declarou:

[…] Fui da escola de Daumier, antes de conhecer Rafael […]

O Rafael mencionado foi o pintor renascentista italiano Rafaello Sanzio e o comentário afirmou sua predileção pela arte do caricaturista e artista popular francês, Honoré Daumier (1810-1879). Daumier, que tinha obra certamente muito marcante por não se submeter aos ditames da sociedade de sua época, criou a arte de negação, na qual ridicularizou os seus conterrâneos com incisivas caricaturas. Daumier foi chargista ferino de pena firme, muito publicado nos diários da vida francesa do século XIX: antes de tudo ele foi talentoso desenhista, de traço firme e forte de características marcantes, que adotou por tema a vida do povo, nas suas mais humildes atividades. Daumier desenhou o pedreiro, padeiro, cocheiro, comerciante, político, a lavadeira e a dona de casa. O desenho expressivo de Daumier foi a matéria bruta que nutriu o espírito de Rouault: ele, como Daumier, abraçou os temas sociais, do mundo operário dos pobres, que ele tão bem conhecia, tendo em vista sua origem e nascimento. Entre os temas preferidos de Rouault a miséria provocada pela guerra; sobre esta ele produziu a famosa serie de litografias Guerra e Miserere, de expressiva força na temática social e religiosa.

O Rouault dos primeiros trabalhos é muito mais forte e original do que o artista das obras posteriores, fase de sua maior religiosities. A fase final de suas obras lembra as figuras do Cloisonismo, da arte dos vitrais, perdendo muito de sua maior espontaneidade quando retratou o ser humano na crueza e dureza da vida, na fase inicial de sua obra. Um dos mais conhecidos retratos de Rouault foi Os Poulot [Les Poulot] (1905, aquarela/ guache, na coleção Phillipe Leclercq). O pintor retratou o desespero, a tristeza, a miséria do casal com a cor azul de metileno, tom sombrio com o qual impregnou suas telas com o exagero de camada de tinta muito espessa, que deixava os contornos menos definidos e com a presença de muita cor, vermelhos intensos marcando as figuras deformadas, desesperadas. Rouoault expôs pela primeira vez oito telas de sua nova fase com o tema de palhaços, acrobatas e jovens, ao todo trinta e duas aquarelas e pasteis (1904). O publico ridicularizou essas obras, comentando e rindo do artista na frente dos quadros denominados negros. Foi o escândalo no salão no qual Rouault apresentou sua tela Les Poulot, quando o publico riu muito da pintura.


Obras de Rouault participaram da Sala VII, do Salão de Outono onde foram expostas as obras das Feras, dos Fauves ou Fauvistas, por ocasião da polêmica mostra inaugural do movimento (Paris, 1905-1908). Rouault negou ser Fauve; ele pode ser considerado como artista independente com certa influencia no sentido da cor dos Fauvistas, que continuou com seus experimentos livres de textura, com suas telas cobertas de pesados pigmentos. Rouault aliou a pesquisa de claro - escuro [chiaroscuro] à gestualidade liberta. O pintor retratou somente quem amou e foram seus temas os filhos da injustiça social, que o artista pintou e expôs como se os visse com os olhos cobertos por véu de piedosa compreensão.

O artista começou oficialmente a carreira quando ele foi apresentado ao marchand Ambroise Vollard e ao pintor Odilon Redon; até esse momento Rouault pintou cerâmicas e obras vitrificadas (1907). A primeira mostra individual de Rouault foi na Galeria Druet (Paris, 1910). O artista viveu em Versailles, quando ficou amigo próximo dos líderes católicos, o casal Jacques e Raissa Maritain (1911-). Nesse ano, obras de Rouault participaram da Sala Cubista, no Salão dos Artistas Independentes e no Salão de Outono. Rouault retomou os temas religiosos (1913).

Ambroise Vollard tornou-se o marchand exclusivo do artista católico de grande prestígio: ele instalou-o no último andar de seu hotel particular, para que o artista terminasse centenas de telas inacabadas. Depois da morte de Vollard, Rouault entrou com processo na justiça francesa para receber de seus herdeiros as obras de volta; o artista ganhou a causa (19 mar., 1947). No entanto, não foram devolvidos mais de cento e dezenove quadros, que supõe-se que teriam sido indevidamente comercializados. Perante o oficial de justica, Rouault queimou trezentas e quinze obras inacabadas, entre as que lhe foram devolvidas pela justiça francesa (05 nov., 1948).

No início da década de 1920 Rouault foi convidado a criar uma pintura que depois foi transformada em Tapeçaria na técnica de Gobelin, realizada em tear de alto liço encomenda das Edições Cutoli, de Marie Cutoli (Paris). A obra participou de duas mostras coletivas de Tapeçaria: a primeira na Reid & Lefèvre Gallery (Londres) e a outra no Arts Club (Chicago, 1935).

Rouault abandonou as técnicas sobre papel para voltar-se para as telas a óleo, com temas religiosos (1918-). A partir desta época Rouault expôs suas obras em mostras individuais, como no Musée Colmar, e nas galerias de arte parisienses, como na La Licorne (1920); na Barbazanges (1922) e na Druet (1924). O artista publicou sua obra Souvenirs Intimes com litografias, e, no mesmo ano, Rouault recebeu a comenda da Legião de Honra (Paris, 1924).

Rouault criou a cenografia para o balé O Filho Pródigo [Le Fils Prodigue], com musica de Sergey Prokofiev, figurinos de Mlle. Chanel, encenado pelos Ballets Russes de Sergey Diaghilev (Paris, 1929). Este foi o último ano da Cia. Teatral S. P. Diaghilev, que encerrou suas atividades pouco depois da morte do empresário russo (Paris, 1929). Nessa sua primeira criação para o teatro Rouault enfrentou certa dificuldade, mas depois desenhou cenário bastante atmosférico, mostrando farol em perspectiva, junto ao mar por onde singravam barcos a vela, vistos em sombras, sendo que o céu do entardecer foi pintado com laivos verdes e rosa salmão. Os cenários foram executados pelo Príncipe Schevashidze e Vera Sudeikina, que transformaram os desenhos de Rouault em obras apropriadas para o palco. O balé foi dançado por Serge Lifar como astro principal, e Félia Dubrovska como destaque feminino; Mikhail Fedorov dançou no papel do pai. Uma reprodução da guache cenográfica de Rouault e quatro fotografias dos bailarinos se encontram publicadas (SHEAD, 1989).

Rouault expôs na Galeria Saint George (Londres, 1930); na Galeria Newmann (Munique) e na Galeria Brummer (Nova York). O artista apresentou conjunto importante de sua obra, c. quarenta e duas pinturas, na Sala Especial, da Exposição de Arte Independente, realizada no Grand Palais (Paris, 1937). No mesmo ano suas obras foram exibidas em conjunto com obras de Paul Klee, Emil Nolde, Wasily Kandinsky e Oskar Kokoscha, entre muitos outros destacados artistas na mostra Arte Degenerada [Entartete Kunst] (Sic), organizada por nazistas e inaugurada por Hitler, artista frustrado, que se deteve a menosprezar os artistas com obras presentes na exposição. Dois anos depois Rouault mostrou toda a sua obra gravada no MoMA (Nova York, 1939). O conhecido historiador de arte, Lionello Venturi, publicou a primeira monografia sobre o artista, ilustrada com cento e oitenta reproduções de obras de Rouault (1940).

Rouault expôs suas pinturas nos Estados Unidos, em várias cidades como Boston, Washington e San Francisco (1940-1941); o artista foi homenageado com grande mostra retrospectiva de sua obra no MoMA (Nova York, 1945). Rouault expôs em mostra conjunta com Georges Braque na Tate Gallery (Londres, 1946). Rouault foi homenageado pelo Centro Católico dos Intelectuais Franceses (1951). O artista participou de mostra no Palais des Beaux Arts (Bruxelas, 1952); no Museu Stedelijk Museum (Amsterdã), no MNAM (Paris). Rouault foi novamente homenageado com mostra retrospectiva no Cleveland Museum of Art (Cleveland), no MoMA (Nova York), no County Museum (Los Angeles, Ca.), no Museu Nacional de Arte Moderna (Tóquio) e no Museu de Osaka (Japão, 1953); Rouault expôs na Galeria de Arte Moderna (Milão, 1954) e no Museu Toulouse-Lautrec (Albi, França, 1955). Rouault foi um dos poucos artistas que soube superar magistralmente o verdadeiro ensino acadêmico que sua educação proporcionou-lhe, transformando sua arte em documento contundente sem quaisquer concessões. A obra de Rouault foi representativa do tempo em que ele viveu: quando o artista faleceu, aos oitenta e sete anos de idade (13 fev., 1958), foram-lhe prestadas homenagens nacionais. O elogio fúnebre de Georges Rouault foi proferido pelo Ministro da Educação da França, seguido da mensagem de despedida dos artistas franceses, lida por André Lhote (Paris). Rouault está incluído para sempre entre os dos mais significativos artistas plásticos do século XX: ele foi o mais destacado artista católico da França, que apresentou expressiva modernidade na sua marcante obra, que destacou como tema principal o ser humano.


SHEAD, R. Ballets Russes. Secaucus, New Jersey: Quarto Book, Wellfleet Press, 1989.192p.: Il,.algumas color., 25 x 33 cm, pp. 119, 170-171.

VENTURI, L. Rouault: Étude biographique et critique. Genève: Skira, 1959, pp. 05-101.

REFERÊNCIAS SELECIONADAS:

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