BIOGRAFIA: RICHTER, Hans (1888-1976).
O artista multimídia e cineasta precursor nasceu em Berlim (Alemanha) e morreu, naturalizado americano, em Muralto (Locarno, Suíça). Richter foi pintor, escritor, cineasta precursor das abstrações no Desenho Animado, professor de cinema e artista participante do Dadaísmo (1916-1919). Richter viveu em Zurique (Suíça, 1916-1919) e tornou-se um dos principais associados ao movimento. Foram seus amigos e colegas Hugo Ball (1886-1927), Emmy Hennings (1885-1948), Marcel Janco (1895-1984), Arthur Segal (1875-1944), Marcel Slodki (1892-1944), Richard Huelsenbeck (1892-1974), Tristan Tzara (1896-1963), Hans Arp (1886-1966), Sophie Taueber (depois Arp, 1889-1943), Walter Helbig (1878-1968), Albert Jacques A. Welti (1891-1965), Oscar Wilhelm Luthy (1882-1945) e Val Serner (Walter Serner, 1889-1943). O grupo transformou um bar comum em cabaré literário, que tornou-se conhecido internacionalmente como Cabaré Voltaire [Cabaret Voltaire], na Spiegelgasse n. 01. Vizinho, no 12 da mesma rua, Lenin preparava com Grigori Yevseevich Zinoviev (1883-1936) a Revolução Russa. Foi publicada a revista Cabaret Voltaire, único número, lançado em Zurique (15 jun., 1916).
Richter escreveu no seu livro Dadá: Arte e Anti-Arte, que, durante as apresentações dos artistas no Cabaré Voltaire, as leituras dos poetas franceses modernos alternavam-se com apresentações de alemães, russos e suíços. Nas noitadas tocava-se música moderna e antiga, tudo misturado, enquanto eram recitadas poesias de Cendrars (Blaise Cendrars, 1887-1961), Jakob van Hoddis (1887-1942), Morgenstern (Christian Otto Josef Wolfgang Morgenstern, 1871-1914), Erich Mühsam (1878-1934), Wassily Kandinsky (sim, poesias), de Else Lasker-Schüller (1869-1945), Max Jacob (1876-1942) e André Salmon (1881-1969), enquanto se alternavam as canções de Aristide Bruant com orquestra de balalaikas. Nos eventos Dadaístas ouvia-se a música de Saint-Saëns (Charles Camille Saint-Saëns, 1835-1921), Arnold Shoenberg (1874-1951); e Hans Heusser (1892-1942) tocava no piano suas próprias composições. No palco do cabaré e em outros palcos apresentaram-se as jovens bailarinas da Escola de Dança Rudolf von Laban: Mary Wigman, Maria Vanselow, Sophie Taeuber, Suzanne Perrotet, Maja Kruscek e Käthe Wulff, entre outras. As atividades do Cabaré Voltaire duraram apenas cinco meses e logo a ação passou para a Galeria Corray (Bahnhofstrasse, 19), que ficou conhecida como a Galeria Dadá e inaugurou a primeira exposição do movimento (18 mar., 1917). Seguiram-se três mostras individuais, uma de Wassily Kandinsky (1866-1944), a segunda de Paul Klee (1879-1940) e a terceira de obras da fase da Pintura Metafísica [Pittura Metafísica] de Giorgio de Chirico (Alberto Savínio, 1888-1978) e Carlo Carrà (1881-1966), posteriormente bastante influentes sobre a arte alemã da Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit, Alemanha, 1925-1933).
Francis Picabia chegou a Zurique (1918), trazendo na algibeira sua revista 391, editada em Barcelona onde foram lançados seus primeiros números, agora na versão voltada para o movimento Dadaísta suíço. Picabia publicou o n. 08 da revista, antes de rumar com sua mulher, Gabrielle Buffet-Picabia para Nova York, onde encontrou Marcel Duchamp (1887-1968) e Arthur Cravan (1887-1920), dando continuidade ao Dadaísmo com a publicação da revista na América. Foi lançada em Zurique a revista Der Zeltweg (out., 1919), com o nome da rua onde Arp morava; foram seus editores Otto Flake (1880-1963), Val Serner (Walter Serner, 1889-1943) e Tristan Tzara (Sami Rozenstock, 1896-1963). No mesmo ano foram lançadas as revistas Der Revolutionar (Zurique, 1919-1923) e, por Hugo Ball, o Freie Zeitung (Berna, 1919).
Na época do Dadaísmo em Zurique, Richter, que era estudante de engenharia na Universidade onde encontrou os romenos Marcel Janco (1895-1984) e Tristan Tzara, começou suas atividades de artista plástico. A revista Die Action [A Ação] (Berlim, 1919-1932), de Franz Pempfert, mais tarde dedicou-lhe um número completo. Richter pintava obras Abstratas, quase sempre em preto e branco (1917-1918). A vida de Richter mudou radicalmente no momento em que Hans Arp (1886-1966) apresentou-o ao artista sueco Viking Eggeling (1880-1925). Richter e Eggeling logo formaram parceria dinâmica; depois que o Dadaísmo acabou em Zurique, a dupla participou da Associação dos Artistas Radicais, também conhecida como a Associação dos Artistas Revolucionários (Colônia, 1919-1921; v.). Eggeling e Richter passaram a trabalhar com imagens gráficas, primeiro desenhadas e depois filmadas, que foram em seguida montadas em grandes rolos. A arte Abstrata e Geométrica adquiriu movimento no filme de animação: Richter produziu primeiro o filme intitulado Rythmes 21 (1921). No entanto, o primeiro filme a ser divulgado nacionalmente foi o de Eggeling, projetado no Festival de Música (Berlim, 1919). Richter filmou depois o Rythmes 23 (1923), desenvolvimento sequencial de seu primeiro filme, mas nunca terminou-o. O artista filmou Film Study [Estudo do Filme], com nítida influência do filme de animação Balé Mecânico [Ballet Mecanique], de Fernand Léger (1881-1955), criado em conjunto com Man Ray (1890-1976) e Dudley Moore (França, 1924). Nesse filme às formas da Abstração Geométrica em movimento os artistas acrescentaram imagens Surrealistas, como vários olhos em movimento, rostos móveis em superposição animada, mais do que provável criação colaborativa de Man Ray.
Richter filmou Ghosts before breakfast [Fantasmas Antes do Café da Manhã] (Alemanha, P&B, S, 9’). Nesse filme surpreendente, comédia Dadaísta de nonsense poético, Richter atuou junto com os músicos Paul Hindemith (1895-1963) e Darius Milhaud (1892-1974). Nesse filme objetos inanimados ganhavam vida e se revoltavam: os colarinhos das camisas apresentavam vontade própria, abriam e fechavam a seu bel-prazer, chapéus voavam sozinhos saindo da cabeça dos artistas e dançavam, atuando performáticamente e parando onde queriam; e, balas disparadas por pistolas na mesma direção, não acertavam ninguém. Nesta fase do cinema silencioso a música composta para o filme por Paul Hindermith foi tocada no piano, enquanto o filme era projetado, mas a partitura perdeu-se. Este filme de Richter foi apresentado em première no Festival de Música (Baden-Baden, Alemanha, 1928); o mesmo filme foi projetado na mostra Surrealismo, Cinema e Vídeo, realizada no CCBB (Rio de Janeiro, out., 2001). A cópia veio especialmente para a mostra da Biblioteca do Filme do MoMA [MoMA Film Library] (Nova York).
Richter filmou Inflation [Inflação], produzido como prelúdio inicial para Die Dame mit der Maske [A Dama com a Máscara], que ele produziu para a UFA/ Universum Film Aktion Gesellschaft, mas que foi cortado, reduzido dos 20 minutos produzido para apenas 08 minutos finais. Neste filme os efeitos especiais foram surpreendentes: nele o artista incluiu novas técnicas de animação, com a superposição das imagens filmadas, bem como a crítica bem-humorada em relação à inflação galopante que atingiu a Alemanha no início da década de 1920, depois que o país foi derrotado na I Guerra Mundial.
Richter tornou-se artista políticamente atuante, que pertenceu ao dito, Movimento Internacional Trabalhista Construtivista [Konstrutivistische Internacionale beeldende Arbeitsgemeenchap],
oficialmente lançado durante o Congresso Internacional dos Construtivistas e Dadaístas, organizado na cidade sede da Bauhaus (Weimar, set. 1922). Anteriormente Richter compareceu ao primeiro e único Congresso Internacional dos Artistas Progressistas, leia-se, Construtivistas, organizado em Dusseldorf (maio, 1922). O evento recebeu o comparecimento maciço dos Dadaístas, quando o movimento havia perdido seu ímpeto inicial e esfriava.
Richter passou período prolongado vivendo na Alemanha, quando tornou-se membro do comitê editorial da revista G/ Gestaltung (Berlim: 1923-1926), publicação voltada para o Construtivismo sovietico, editada juntamente com El Lissitzky (1891-1941) e o artista russo Ilya Ehrenburg (1891-1967). Na época aconteceram outros congressos na Alemanha: El Lissitzky desenhou vários pavilhões para os eventos. Richter passou a convidado frequente, participando de congressos associados ao nascente cinema e à fotografia: ele foi um dos organizadores do setor de cinema do FIFO/ Filme e Fotografia [Film und Foto], organizado pelo DW - Deutsche Werkbund com apoio de Gustav Stotz (Stuttgart, 13-27 jun., 1929). O cineasta russo Sergei Eisenstein (1898-1948) foi convidado por Richter para proferir palestra: ele aceitou, no entanto foi impedido de viajar pela censura soviética. Richter também participou da organização do CICI/ Congresso Internacional do Cinema Independente (La Sarraz, Suíça, 1929), desta vez com o comparecimento de S. Eisenstein, que proferiu conferência em alemão, idioma que o cineasta russo dominava perfeitamente. ALBERA (2002) descreveu Richter como o apóstolo do filme absoluto e contou que ele, depois que abandonou a Abstração pictórica nas obras, aderiu ao Construtivismo; depois, o artista dedicou-se principalmente à produção de filmes.
Richter passou outro período prolongado vivendo na Suíça (1932-1940), quando, às vésperas da II Guerra Mundial, deixou a Europa e emigrou para os Estados Unidos. Richter tornou-se professor do Instituto de Técnicas do Filme, no City College (Nova York, 1942-1957). O artista naturalizou-se americano; durante este período sua pintura permaneceu em segundo plano, pois Richter produziu obras cinematográficas e pesquisou o desenvolvimento de ritmos formais, quadro a quadro nos filmes. O cineasta filmou alguns temas históricos como o da batalha de Stalingrado no filme Sieg im Osten [Vitória no Leste]. Richter dirigiu o curta metragem Dreams that Money can Buy [Sonhos que o dinheiro pode comprar] (EUA, 1947, sonoro, 80'), quando contou com a participação de vários outros vanguardistas como Marcel Duchamp (1887-1968), Max Ernst (1891-1976), Man Ray (1890-1976), Fernand Léger (1881-1955) e Alexander Calder (1898-1976), entre outros. Esse filme foi premiado no Festival de Veneza (1947).
Richter filmou, em colaboração com Jean Cocteau (1889-1963), 8 x 8 (Suíça, 1957, dir. Hans Richter – Jean Cocteau, Curta, Sonoro, 70'), com o sub-título Uma Sonata em Xadrez com Oito Movimentos, quando a dupla de artistas inspirou-se nas dimensões do tabuleiro de xadrez. O filme foi homenagem ao autor inglês Lewis Caroll (Charles Lutwige Dodgson Carroll, 1832-1898), criador das aventuras de Alice no País das Maravilhas, que inventou universo de loucura poética. Atuaram Max Ernst, que perseguiu sua mulher a pintora Dorothea Tanning (1910-2012) através de enormes desfiladeiros criados por efeitos especiais com animação, no coração de Manhatan (Nova York). Jean Cocteau, que atuou como peão do jogo de xadrez, transformou-se na Rainha; e Alexandre Calder, surgiu construindo suas esculturas móbiles.
Toda a filmografia vanguardista de Richter, acrescida do único filme de Viking Eggeling (Alemanha, 1922), foi reunida e editada em conjunto no filme From Dada to Surrealism: 40 years of experiment [Do Dadá ao Surrealismo: 40 anos de Experiências] (Suíça, 1961, P&B e Cor, Sonoro, 62’), Na ocasião, seu autor e diretor Hans Richter acrescentou trilha sonora a todos os seus filmes produzidos anteriormente, no tempo do cinema silencioso. Paralelamente à sua dedicação a arte do cinema, Richter continuou pintando; o artista produziu muitas obras nas Artes Plásticas, que expôs em mostras individuais, como na Galeria Deux Îlles (Paris, 1950); na Galeria Feigl (Bâle, Suíça) e na Galerie Mai (Paris); no Museu Stedelijk (Amsterdã, 1952), entre várias outras mostras internacionais.
Depois de viver muitos anos no exterior, Richter, vindo da América retornou a Berlim pela primeira vez; o artista passou a fazer frequentes viagens à Europa, dividindo seu tempo entre suas várias residências: em Ascona (Suíça), Connecticut (EUA) e Berlim (Alemanha). Richter publicou diversos livros de sua autoria sobre arte e cinema; o artista e escritor e publicou com distanciamento crítico fatos históricos do Dadaísmo, suas impressões sobre o movimento do qual foi dos mais ativos artífices (RICHTER, H; HAUPTMANN, W. (Post-scriptum). Dada Art & Anti-Art. Du Mont Shauberg, 1964. London: Thames and Hudson, 1965. Dadá: Arte e Anti-arte. Tradução de Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 1993).
As obras de Richter nas Artes Plásticas obtiveram reconhecimento mundial e divulgação internacional e geraram convites para participação em inúmeras mostras coletivas, bem como a realização de várias mostras individuais em importantes museus e instituições culturais. As obras Herbst [Primavera] (1917, óleo/ tela, 79 cm x 63 cm); o Retrato de Walter Serner (1917, pincel/ nanquim/ papel pautado, 26,7 cm x 20,1 cm); e a pintura Blauer Mann [Homem Azul] (1917, óleo/ tela, 61 cm 48,5 cm), pertencem ao acervo da Kunsthaus (Zurique); e seu Retrato Visionário (1917, óleo/ tela, 53 cm x 38 cm), no acervo do MNAM (Paris), bem como algumas obras do período Dadaísta se encontram reproduzidas (GIBSON, 1991). A maioria dos filmes de Richter, mais de 20, pertencem aos arquivos da Biblioteca do Filme do MoMA [MoMA Film Library] (Nova York). Todos os títulos da filmografia de Richter se encontram publicados (KATZ, 1998); fotogramas dos filmes de Richter, Rythme 21 (1921) e Rythme 23 (1923), se encontram reproduzidos (RAGON, (1992). A reprodução da Composição (1952), de H. Richter, se encontra publicada (SEUPHOR, (1957).
REFERÊNCIAS SELECIONADAS:
ALBERA, F. Eisenstein e o construtivismo russo - A dramaturgia da forma em "Stuttgart". Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac e Naify, 2002, pp. 35-36, 39-40, 45-46.
CATÁLOGO. ADES, D. Dada and Surrealism Reviewed. Introduction by David Syilvester and supplementary essay by Elizabetn Cowling. London: the Authors and the Art Council of Great Britain, Hayward Galleries, 1978. 475p.: il.,, p. 101.
CATÁLOGO. Surrealismo Cinema e Vídeo. Rio de Janeiro: CCBB, 2001.
DICIONÁRIO. SEUPHOR, M. Dictionaire de la peinture abstraite: precédé d´une histoire de la peinture. Paris: Fernand Hazam, 1957. 305p.: il., p. 252.
GIBSON, M. Duchamp Dada. Paris: N. E. F. Casterman, 1991. 263p.: il., pp. 17-25, 26, 30, 51, 252.
KATZ, E. The Film Encyclopedia. Revised by Fred Klein and Ronald Dean Nolan. 3rd ed. New York: Harper - Perennial, 1999. 1586 p.: il. p. 1158.
NÉRET, G. 30 ans d'art moderne: peintres et sculpteurs. Fribourg: Office du livre, 1988. 248p.: il., p. 212.
PIERRE, J. El futurismo y el dadaísmo. Madrid: Aguilar, 1968,p. 176.
PIERRE, J. L'Univers Surréaliste. Paris: Éditions d'Art Aimery Somogy, 1983, p. 192.
RAGON, M..Journal de l´Art Abstrait. Genève: Skira, 1992. 163p: il., p. 41.
RICHTER, H; HAUPTMANN, W. (Post-scriptum). Dada Art & Anti-Art. London: Thames and Hudson, 1965. Dadá: Arte e Anti-arte. Tradução de Marion Fleischer. São Paulo: Martins Fontes, 1993, pp. 08-12, 32-35, 46, 81, 91-92.
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