sexta-feira, 13 de abril de 2012

MILHAUD, Darius (1892-1974).


O músico e compositor das vanguardas européias Darius Milhaud manteve durante sua vida estreita ligação com o Brasil. No período da Primeira Guerra Mundial o músico viveu no Rio de Janeiro, foi secretário particular do escritor, poeta e teatrólogo Paul Claudel, irmão da escultora Camille Claudel, nomeado Ministro de Negócios da França no Brasil (1917-1918). Ambos desembarcaram no Rio de Janeiro (1 fev., 1917).


Durante o período que Milhaud passou no país, ele foi profundamente influenciado pela música popular brasileira. Milhaud esteve próximo de Andrée, a Sra. Raymond Parr, que Milhaud conheceu anteriormente em Roma e cujo marido foi nomeado Conselheiro da Embaixada Britânica (Rio de Janeiro). Frequentemente Claudel e Milhaud subiam a serra para a residência petropolitana do casal Parr, quando ambos passavam os finais de semana na bela casa. Foi Parr, artista plástica, quem criou com Claudel e Milhaud a cenografia para o balé O Homem e seu Desejo [L' Homme et son désir], com libreto de Paul Claudel e música de Milhaud. Parr construiu a miniatura do balé cortando seus modelos em papel colorido, e, posteriormente, esse balé foi encenado pelos Balés Suecos [Ballets Suedois] de Rolf de Maré (Paris, 1924). (HAGER, 1990).

Voltando a viver em Paris, Milhaud pertenceu a grupo de músicos que ficaram conhecidos como Grupo dos Seis; esse grupo se formou em reunião informal na residência parisiense do músico. Na ocasião, cada um dos futuros participantes tocou suas composições no piano, quando foram ouvidos pelo crítico musical Henri Collet, que batizou-os de Grupo dos Seis, inspirado no nome do Grupo dos Cinco músicos russos. Desde que Sergei Diaghilev, pintor e artista plástico se transformou em empresário da Cia Teatral S. P. Diaghilev, promotora de temporadas de ópera e dos Ballets Russes (1909-1929), espetáculos exclusivos de sua companhia e, em muitos, usando as composições dos músicos russos do século XIX, do dito, Grupo dos Cinco (v.).

Milhaud compôs Dois Pemas Tupi (1918), para quatro vozes femininas e palmas; e a música para a peça com libreto do vanguardista Jean Cocteau, O Boi no Telhado [Le Boeuf sur le toit](1919). Essa composição de Milhaud foi verdadeira colagem das melodias que ele ouviu no Brasil. Villa-Lobos acusou-o de plágio, foi categórico na opinião que emitiu:
  
[…] Ele copia, ele edita Tupinambá […](CARSOSO, 2003).

referindo-se ao compositor Fernando Álvares Lobo (1889-1953).

Se Milhaud copiou Tupinambá, ele copiou Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, João Pernambuco, Alexandre Levy, João de Souza Lima. De José Monteiro, obscuro cantor e músico popular carioca - Milhaud nomeou a peça francesa - encenada repetidas vezes pela Companhia de Comédia do Théâtre des Champs Elysées (Paris). O sucesso da peça foi tanto que o Bar Gaya, ponto de encontro das vanguardas parisienses, preferido de Milhaud, Cocteau e sua turma, mudou de nome e ficou conhecido como Le Boeuf sur le Toit. No entanto, o verdadeiro compositor de Boi no Telhado, que continua até hoje desconhecido, foi José Monteiro, que viveu no bairro carioca do Engenho de Dentro, onde ficou conhecido pelo apelido de Zé Boiadeiro. Consta que o músico tinha voz maravilhosa e que participou do grupo dos Oito Batutas, do compositor Pixinguinha, conforme citado no livro Reminiscências dos Chorões Antigos (PINTO, Alexandre Gonçalves. Rio de Janeiro, 1936).
 
Milhaud compôs a suite para piano Saudades do Brasil (1921), cujos movimentos têm nomes de bairros cariocas. E compôs a peça revolucionária para quinze executantes, Les Euménides (1922), na qual usou muita percussão. Milhaud passou à pertencer ao Grupo dos Seis [Groupe des Six] (Paris, 1920-1924), que, sob a égide do poeta e artista multimídia Jean Cocteau, incluíu também o músico suíço Arthur Honegger (1892-1955) e os compositores e músicos franceses Georges Auric (1899-1963), Francis Poulenc (1899-1963), Germaine Tailleferre (1892-1983) e Louis Durey, logo substituído por Henri Sauguet (1901-1989). Os músicos produziram juntos o Álbum dos Seis, para piano, publicado por Eschig [Album des Six] (Paris, 1920). Satie escreveu o artigo Os Seis [Les Six], publicado na revista Feuilles Libres [Folhas Livres] (Paris, fev., 1922). Os músicos do grupo compuseram obras em conjunto: ficaram conhecidas várias de suas composições, especialmente as músicas escritas para o balé Os Noivos da Torre Eiffel [Les Mariés de La Tour Eiffel], encenado pelos [Ballets Suedois] (Paris, 18 junho, 1921). O libreto para o espetáculo foi de autoria de J. Cocteau, a coreografia de Jean Borlin, principal bailarino e coreógrafo da companhia do empresário sueco Rolf de Maré; cada músico dos Seis compôs uma peça: a abertura, a valsa, a quadrilha, a marcha fúnebre etc. Para este balé original, a cenografia foi de Irene Lagut, as máscaras gigantescas criadas e confeccionadas por Jean e Valentine Hugo e os trajes de malha dos bailarinos lançaram o dito, colante, invenção de Paul Colin, usado até hoje; várias fotografias desse espetáculo se encontram-se reproduzidas (HAGER, 1986).

Diaghilev contratou Darius Milhaud, que estava escrevendo a música de Salada para os Balés do Conde de Beaumont, mas que aceitou escrever, ao mesmo tempo, a música de O Trem Azul [Le Train Bleu], para os Balés Russos. A música foi apropriada para o espetáculo divertido que Cocteau produziu: a fanfarra, composta por George Auric, participante do Grupo dos Seis, anunciou o espetáculo; o soberbo desenho de Picasso no pano de cena, foi a obra escolhida para ilustrar o programa. O balé estreou no Teatro dos Campos Elísios e conheceu imediatamente grande sucesso (20  junho, 1924).



Alguns anos depois Milhaud orquestrou João na Caixa [Jack-in-the-Box], pantomima em um ato de autoria de Erik Satie (1926). Francis Poulenc dedicou a Milhaud sua ópera cômica, em dois atos com prólogo, As Mamas de Tirésias [Les Mamelles de Tirésias] baseada no libreto da peça escrita anteriormente por Guillaume Apollinaire, música composta posteriormente (maio/ out., 1944).

Milhaud participou ativamente das vanguardas européias e atuou no filme dirigido por Hans Richter: Fantasmas antes do Café da Manhã [Ghosts Before Breakfast] (AL., P&B, silente, 9', acervo da MoMA Film Library, Nova York). O jovem Milhaud atuou com Richter e o compositor alemão Paul Hindermith. A música do filme foi composta para piano por Hindermith, mas a partitura perdeu-se; na época, a música era tocada ao vivo enquanto o filme era projetado sobre a tela. O filme foi o primeiro de Richter, que antes trabalhou com o sueco Viking Eggeling, no desenho e produção de filmes Abstratos de animação. O cineasta alemão apresentou-o no Festival de Música (Baden-Baden, Alemanha, 1928) e no CICI/ Congresso Internacional do Cinema Independente (La Sarraz, Suíça, 1929). O curta citado foi filmado como comédia de costumes non-sense: poético, surpreendente, no qual os objetos se revoltam, os colarinhos mostram possuir vontade própria, os chapéus depois de dançarem no ar, voam e param na cabeça dos atores, e pistolas não acertam ninguém, foram disparadas na mesma direção. Filmado ao ar livre em dia de sol, a fotografia é excelente e o filme engraçado, resistiu bem à passagem do tempo. Esse filme participou do festival Surrealismo Cinema e Vídeo, no CCBB (Rio de Janeiro, 2001).

Na época da invasão da França pelos nazistas, Milhaud, de origem judaica, passou prolongada temporada nos Estados Unidos. Após o término da Segunda Guerra Mundial Milhaud voltou a viver na França, quando assumiu cátedra no Conservatório de Paris (1947). Na década de 1940 Milhaud compôs a Suite para Harmônica e Orquestra (1942) e o Concerto para Marimba, Vibrafone e Orquestra (1947). Milhaud deixou mais de quatrocentas composições em todos os gêneros musicais: em muitas, o músico empregou colagens de melodias populares de várias regiões mundiais, como das Antilhas, além de canções populares do interior da França e da Sardenha (Itália).


As mais conhecidas composições de Milhaud,com influência da música brasileira, conforme citou MORAES (1983), foram Carnaval de Aix-en-Provence [Carnaval d'Aix] (1926), Scaramouche (1937) e Três Danças de Jacarémirim [Trois Danses de Jacarémirim] (1945), além de O Boi no Telhado, que trazem na sua essência ritmos da música do país que Milhaud tanto amou. O músico faleceu em Genebra (Suíça), depois de passar muitas décadas preso à cadeira de rodas, devido a grave problema reumático que o acometeu. Uma fotografia de Milhaud se encontra publicada (SHEAD, 1989: 126), bem como a carta que Milhaud escreveu para Alberto Nepomuceno, com análise abrangente da música brasileira (Paris, 10 abril. 1919); (HERKENHOFF, 1996: 217). O original pertence a Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro, RJ).

REFERÊNCIAS SELECIONADAS:

CARDOSO, T. Um boi no telhado. Rio de Janeiro: Veredas, ano 8, n. 85, jan. 2003, pp. 32-35.

COLI, J. Arthur Honneger. São Paulo: programa da O.S.P., 2003, pp. 48-49.

DUFOURCQ, N. (Org.); ALAIN, O.; ANDRAL, M.: BAINES, A.; BIRKNER, G.; BRIDGMAN, N.; Mme. de CHAMBURE; CHARNASSÉ, H.; CORBIN, S.; AZEVEDO, L. H. C. de; DESAUTELS, A.; DEVOTO, D.; DUFOURQ, N.; FERCHAULT, G.: GAGNEPAIN, B.; GAUTHIER, A.; GÉRARD, Y. HALBREICH, H.; HELFFER, M.; HODEIR, A.; ROSTILAV, M.; HOFMANN, Z.; MACHABEY, A.; MARCEL-DUBOIS, C.; MILLIOT, S.; MONICHON, P.; RAUGEL, F.; RICCI, J.; ROUBERT, F.; ROSTAND, C.; ROUGET, G.; SANVOISIN, M.; SARTORI, C. SHILOAH, A.; STRICKER, R.: TOURTE, R.; TRAN VAN KHÊ, A. V., VERLET, C. VERNILLAT, F.; WIRSTA, A.; ZENATTI, A.

La Música: Los Hombres, Los Instrumentos, Las Obras. Barcelona: Planeta, 1976, pp. 184, 362, 364. São Paulo: Ed. Brasiliense, 123-128. 24,5 cm, pp.228, 229, 230, 354, 459.


HAGER, B. Les Ballets Suedois. Translated by Ruth Sharman. London: Thames and Hudson, 1990. 303p.: il., algumas color., p. 294.

HERKENHOFF, P. Biblioteca Nacional: A história de uma coleção. Rio de Janeiro: Salamandra, 1996. GMT Ed., p. 217.

MORAES, J J. Música da Modernidade: Origens da música de nosso tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983, pp. 115-122.

THOMPSON, K. A Dictionary of Twentieth-Century Composers1911-1971. London: Farber & Farber, 1973. 666p.




 




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